Por Patrícia Brito
Ao decidir escrever uma biografia, resolvi também mergulhar em estudos sobre a temática. Escolhi cursos com profissionais bem-conceituados no mercado editorial e jornalístico e por meio desses cursos adquiri boas referências bibliográficas para não só ler, mas também para estudar, observar e anotar.
Recebi o livro “O Vendedor de Futuros” das mãos de meu pai, autografado; e logo notei muita semelhança com a construção e estrutura narrativa construída pelo autor Luís Costa Pinto com meu trabalho autoral mais recente. Decidi ler de imediato, porém bem devagar, como proposto pelos profissionais que me orientaram nos cursos de biografias: lendo e anotando.
“Se não anotar esquece” (p.169)
Nilton Molina reforçou e eu compreendi essa importância.
Por que biografar? Qual o motivo que leva nós autores, jornalistas, historiadores a quererem narrar uma vida, uma história?
[...] Toda e qualquer lembrança vincula-se à vida material e moral das sociedades de que fazemos ou fazemos parte… Individual ou social, o trabalho da memória é, de todo modo, uma reconstrução do passado à luz da inteligência presente [...] (Teoria da Biografia sem fim p.11)
Felipe Pena ainda reforça que escrever biografia em nossos dias requer consciência aguda do processo de reinterpretar o passado como forma particular de construção, sujeito a variados desdobramentos, levando em conta que vidas podem ser entendidas.
[...] memória só é memória no esquecimento ou no segredo, pois quando acionada também torna-se discurso … o que nos interessa é o percurso, não a origem ou meta [...] (p.23)
Assim, fica entendido que mesmo que o objetivo final seja o motivo do autor querer narrar aquela história; o caminho, as escolhas, as memórias, a trajetória do profissional em estudo ou o fato histórico a ser narrado é muito mais importante e interessante do que a meta final que levou a escrita.
Escrever biografia é eternizar um fato importante, sem necessidade de fama, e sim eternizar para a posteridade reconhecer que aquele ou aquilo existiu e vale a pena conhecer e reconhecer.
Sobre o livro
Conhecer a trajetória singular de um grande homem de vendas, admirado por todos aqueles que conviveram com ele, é a missão desta obra.
Em 2020, a pandemia do coronavírus, a Covid-19, obrigou o empresário e executivo Nilton Molina a fazer algo que jamais encontrara tempo em mais de 60 anos de trajetória profissional: ficar em casa e refletir sobre o caminho percorrido em seus 85 anos de vida.
O resultado dessa reflexão é este livro, que conta a história de um personagem ímpar do setor de seguro de vida e Previdência Privada no mercado brasileiro.
O livro é dividido em sete partes e seis capítulos. Narrado pelo jornalista Luís Costa Pinto, por meio de narrativa jornalística, contendo também entrevistas, relatos e memórias de outros convidados como familiares e amigos. O livro começa com uma apresentação do próprio autor:
"Nilton Molina não é dono de uma personalidade fácil, ao contrário da imagem que sempre guardou em si. Homem de conhecimento enciclopédico, curioso por natureza, autodidata, viveu a infância e adolescência na bucólica Zona Oeste de São Paulo do fim dos anos 1930 até início dos anos 1950. A partir dali, sempre inventando o que fazer, sobretudo o que vender, e reinventando-se profissionalmente de forma periódica, tornou-se um dos grandes empresários brasileiros na área de seguros de vida e previdência" (p.7)
Infelizmente, o autor que escreve a apresentação com louvor não tem registro biográfico na obra, deixando o leitor um pouco desconfortável, sem saber a origem de quem escreve e edita, mesmo com referências na internet que levam a conhecê-lo. Então, fica a lacuna.
"Minha missão era apenas organizar a narrativa dos excepcionais fragmentos de memória desse homem que, sem se programar para tal, terminou por se converter num personagem importante" (p.9)
Após a apresentação do autor, o livro começa a contar sobre o biografado, Molina. Inicia-se com Os primeiros anos: Tempos de descobertas, que o autor começa narrando em tempos atuais, falando sobre como Molina agiu e tomou decisões diante da pandemia, e sua lembrança da epidemia da década de 60.
“ já tínhamos conhecimento da doença e vacina para ela. Com o Coronavírus, não. Era necessário estudar o inimigo, encontrar os flancos dele, atacá-lo e vencê-lo [...] restava-me respeitar. (p.16)
Em seguida somos apresentados a sua infância, seu primeiro emprego como auxiliar de serviços gerais nos consultórios odontológicos do ambulatório médico do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPC), outros empregos de carteira assinada e a decisão de não ser mais empregado em sua vida profissional. Todos são narrados com riqueza de detalhes e decisões.
Ainda nesta primeira parte, o que inspira os leitores são suas referências literárias para construção de um Molina profissional. Em tempos de pandemia, ele faz referência ao livro que leu e recomenda a todos Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. Logo depois mais boas referências em sua biblioteca, são citados autores como: José de Alencar, Machado de Assis, Humberto Campos, Aluísio de Azevedo, Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, além da literatura mundial com nomes como Honoré de Balzac, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Leon Tolstói, Fiodor Dostoiévski,
“Sou autodidata. Não tive formação acadêmica. Do autodidata, exige-se desempenho em dobro: ele precisa provar para os outros, mas sobretudo para ele, que é capaz de dominar o assunto. Estudo os temas técnicos porque preciso compreender cada detalhe de um problema antes de falar ou escrever sobre ele. E a literatura talvez me tenha dado fluência, certamente ajuda nas metáforas que utilizo para explicar de forma talvez simples, as questões complexas de um assunto árido como previdência, cálculos atuariais. (p.19)
Outro momento importante ainda nessa primeira parte é a decisão de Molina em não ser mais simples empregador e começar a carreira autônoma, causando mal-estar na sua mulher, inicialmente, por conta da insegurança financeira. Porém, por pouco tempo, logo é superado por bons projetos, visão empreendedora e liderança, com empregos simples, empreendedor solista, sócio da Instituição Financeira Bradesco em 1977 até o compromisso com a Erontex da Sorte; Augusto Promoções e Vendas – da Augusto Corretora de Seguro, representante do GBOEX.
“Até aqui tive a vida que quis ter. Errei e acertei, joguei com cacife alto e blefei. Perdi e recuperei. Criei os filhos e vi os netos serem criados, com a minha ajuda e a de Sara também, claro. Sobretudo, vivi e pude estar de pé para deixar algumas histórias boas[...]Viver o que vivi tem valido a pena” (p.21)
Antes de encerrar essa primeira parte, o autor abre um parêntese, com letra diferenciada, fundo mais cinza, Luís Costa Pinto explica o nascimento da Previdência Privada desde “Montepios” até a Lei 6.435/77
Em O tempo do meio: Previdência Privada: desbravando a nova floresta revisa um pouco a vida profissional de Molina no Erontex da sorte até ser sócio de Aldo Augusto de Souza. Assim começava a se converter num vendedor de futuro iniciando estudos empíricos (autodidata) nos negócios em que mais tinha paixão.
Em 1971 comprou a participação de Aldo. Ficou sócio em um dia e acordou sócio da mulher no dia seguinte. Por conta dessa fatalidade, lutou para ser dono 100% do capital. Com alguns contratempos, conseguiu e assim começou a mergulhar no “oceano vasto e profundo" no mercado de seguro de vida e previdência com uma certeza:
“era preciso haver uma enorme mudança na legislação que governava o setor, ou ele não iria se desenvolver” (p.77).
O livro continua narrando o encontro e o negócio frustrado com Pelé; o dia em que Molina encontrou um visionário; em “Um irmão eleito” é uma entrevista inspiradora com Fernando Mota, o parceiro de toda a vida, proporcionando reflexão em ser amigo e respeitando as diferenças de personalidades e pessoais. A relação forte desta amizade fica evidente ao adquirir uma fazenda em sociedade, fracassarem e recomeçar sem culpar ninguém, apenas recomeçar com muito trabalho e novos projetos.
Em seguida, a obra entra na reta final com um capítulo no qual a família puxa pela memória momentos que revelam Molina tipo família, marido, pai, avô, muito amoroso em quase todos momentos, bravo quando necessário. E por fim, um epílogo narrado por Molina sobre a pandemia.
Sonho, logo vivo
Miguel Chaia em seu ensaio Biografia: Método de reescrita da vida reforça que por trás do grande interesse de biografias está o ser humano envolvido consigo mesmo e, permanentemente, com o outro. Refletir sobre si próprio, desde estar em dúvida até o ato de escrever uma página de um diário, e acompanhar a trajetória de outra pessoa são formas de ligação que aproximam estes seres gregários. Neste sentido, a análise do significado da biografia deve considerar duas dimensões distintas, porém interligadas: a cultural supõe a espontaneidade das relações sociais, enquanto a intelectual fundamenta-se na utilização de recursos metodológicos.
[...] Tanto as biografias quanto as memórias e autobiografias nascem da pesquisa, da seleção, da classificação e da sistematização dos fatos e de uma orientação ideológica ou teórica na reconstrução da história [...] (Biografia: sintoma da cultura - p.82)
O autor ainda reforça que os estudos permitem avaliar a importância da biografia para explicar a compreensão da realidade.
Em O Vendedor de Futuros, a história de Molina se confunde com a história da Previdência Privada e até mesmo com a história do Brasil. Inicia com a Trajetória de Molina, passa pela Previdência e no final da obra o leitor ganha outra biografia. Ganha um memorial de fotos da vida profissional, da vida pessoal e da arte de saber viver na idade avançada.
“Farei tudo o que puder para acelerar ideias novas, diferentes e projetos inovadores. Quero poder empurrar as pessoas no rumo das suas realizações pessoais, para que consolidem seus sonhos, para que produzam coisas novas e tragam a felicidade para todo mundo. Isso também trará para mim e uma coisa que sempre quis, e continuo querendo, é ser feliz” (p. 200)
O que da história fica quando a leitura for concluída? Sonhar, focar, acreditar, planejar e não ter preguiça. Fazer as coisas acontecerem, mudar o rumo profissional ou querer evoluir, independente do contexto histórico do seu país, só dependerá unicamente de você.
E mais, fica comprovado no exemplo de vida de Molina, em outras biografias artísticas ou empresariais, na recente biografia que escrevi que PARAR de trabalhar, de sonhar, é acamar a alma.
Sonho, logo vivo!
Referências:
HISGAIL Fani (org.). Biografia: sintoma da cultura - São Paulo: Hacker editores: Cespuc, 1996
PENA Felipe. Teoria da biografia sem fim - Rio de Janeiro: Mauad, 2004
ROSSI Paolo; Moulin Nilson (tradução). O passado, a memória, o esquecimento: seis ensaios da história das ideias - São Paulo: Editora UNESP, 2010
Previdência Privada 5https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6435.htm
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Brito Patrícia. Meus Cinco Anos - As caminhadas da vida de Ivo Brito - Conceição do Coité, Bahia: PG Editora, 2023.
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Biógrafa, ensaísta, escritora da cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras - ATL
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