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  • Foto do escritorPatrícia Brito

“Estação 35”, romance de Almir Zarfeg, é para ser lido e degustado do início ao fim.

Por Patrícia Brito


Alguns livros devem ser degustados, outros devem ser engolidos – ensina Mortimer Adler 


Recentemente voltei a refletir sobre o poder da leitura e os resultados positivos que esse hábito nos proporciona. A leitura no significado mais simples e puro é conhecimento. A  cada nova obra apreciada, bons conhecimentos são adquiridos pelo leitor. Com isso, vivo a me perguntar qual o motivo que levou o Brasil a ter uma participação pequena em número de leitores – per capita – diante de outros países? 


Tempo para passar uma hora na rede social as pessoas têm, mas quando se fala sobre ler mais (e aqui, não falo de ler mensagens no WhatsApp,  e-mail profissional), todos logo colocam a culpa na falta de tempo.


O hábito da leitura é tão poderoso não somente aos apaixonados por pesquisa, conhecimento, vida cultural, como também proporciona bons resultados até para leitores que não se preocupam com quantidade e sim constâncias, muita vontade de conhecer – curiosidade por assuntos diversos, sendo de entretenimento, ficção,  artigos, jornalismo,   histórias,  biografias, não importa o gênero, o que importa é a sua curiosidade com o tema. O artigo: “A importância da leitura praticada”, de autoria de Jessika Nayara do Amaral Melo, comprova a importância deste singelo hábito:


O processo inicial da leitura é baseado na construção do saber individualizado de cada ser humano, a prática deste ato não veicula com apenas palavras escritas em um papel ou até mesmo em uma imagem interpretada naquele contexto ilustrativo. Desta forma, o aspecto do processo da leitura é desenvolvido nas experiências que o leitor construiu durante sua trajetória de vida, por isso a experiência letrada é diversa para cada componente que se aventura no sentido real da leitura.

O artigo conclui: 

[...] que é de suma importância a prática da leitura, pois desenvolve ao indivíduo aspectos críticos de conscientização e memorização mecânica daquilo que foi lido, e não torná-los meramente dependentes de textos construindo para simplesmente responder perguntas. O processo da leitura é trazer para o indivíduo benefícios e desenvolvimento para sua vida pessoal e profissional, ensejados pelo processo de comunicação interpessoal da linguística falada, a forma como este escreve e produz um texto.

A minha constatação ficou mais intensa ao reler a obra “Estação 35” – um trabalho autoral rico em informações históricas, baseado em fatos reais que levam o leitor a viajar para um passado que se apresenta muito presente na nossa construção de leitor por tempo indeterminado e que poucos conhecem da riqueza cultural que envolve a região Bahia/Minas tratada no livro em questão.


Quando uma obra ficcional consegue contar um pouco da história de um local, de um ser  – importante ou não –, a leitura ganha mais pontos, fica atrativa,  tem sabor, divertimento e o mais importante: permite adquirir conhecimento com prazer. 


É nesse ritmo que Almir Zarfeg convida os leitores a conhecerem seu primeiro livro ficcional, intitulado “Estação 35 – um romance de aventura e suspense”, lançamento de 2021 pela Lura Editorial. 



Almir Zarfeg é membro efetivo e fundador da Cadeira 01 da Academia Teixeirense de Letras (ATL), que tem como patrono o saudoso Sady Teixeira Lisboa. É poeta, jornalista e ficcionista. Nasceu em Itanhém-BA, mas possui os títulos de cidadão honorário bertopolitano e teixeirense. Presidiu a ATL no biênio 2016/2018, sendo reeleito para o biênio 2019/2020. Nesse período foram instituídos o Prêmio Castro Alves de Literatura, a coletânea ATL em Verso e Prosa! – ambos indo para a 8ª edição – e estabelecidas algumas parcerias com instituições culturais e literárias, como aquela firmada com a Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes (FEBACLA), que resultou no Prêmio Febacla de Criação em Verso e Prosa, que ganhou edições em 2018 e 2019. Em 2021 Zarfeg se tornou presidente de honra da ATL. É membro também de outras instituições lítero-culturais, como Academia de Letras do Brasil (ALB), Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas (SBPA), União Brasileira de Escritores (UBE-RJ), União Baiana de Escritores (UBESC), Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri (IHGM), Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de Portugal (NALAP) e Associação Bahiana de Imprensa (ABI). 


Na apresentação do livro, ele deixa claros os dois motivos que o incentivaram a construir a ficção baseada na Estrada de Ferro Bahia e Minas – EFBM.


O primeiro motivo foi o documentário “De uma ponta à outra”, do jornalista e acadêmico Athylla Borborema, na forma de homenagem aos 55 anos da desativação da Estrada de Ferro. O segundo motivo diz respeito à própria fascinação do autor sobre tudo que envolve a EFBM.


“Enfim, foi uma oportunidade rara para que eu pudesse homenagear a boa e velha estrada de ferro – popularmente chamada de Bahia/Minas – na passagem do seu 55º aniversário de desativação. Por outro lado, também uma maneira bacana para eu celebrar meu meio século de vida transformando curiosidade em aprendizagem”, afirmou Zarfeg. 

Tendo como pano de fundo a história real de uma era, o livro prende o leitor da capa até o seu desfecho, narrando uma série de aventuras e desventuras, de maneira envolvente e divertida.



O site do governo de Novo Cruzeiro (MG) confirma:


A Estrada de Ferro Bahia-Minas, com 548 km de extensão, foi construída no final do século XIX por decreto do Imperador D. Pedro II, com a finalidade de proporcionar a Minas Gerais uma saída mais curta para o mar, aproveitando a trilha natural que se abria através dos vales Mucuri e Jequitinhonha, e o potencial do porto de Caravelas no extremo sul da Bahia. Começou a ser aberta em 1881, ligando Caravelas, no litoral baiano, à serra de Aimorés, na divisa com Minas Gerais.
[...] A ferrovia assumiu um papel determinante no crescimento da região, tornando-se ainda o elemento direcionador da expansão física das cidades em seu entorno.

O poeta e editor Jorge Ventura com exemplar de "Estação 35"

Logo no primeiro capítulo, o autor propõe uma boa diversão. Caravelas, março de 2021, auge da pandemia, um chinês misterioso chega à cidade com o objetivo de inaugurar uma estação e reativar a estrada de ferro desativada. E aí o leitor já se assusta com os ingredientes da trama: pandemia, corona vírus e um chinês misterioso na área. Realmente muito assustador.


A grande questão é  que ninguém viu o chinês,  mas todos têm convicção sobre a suposta ativação da “Estação 35” e que o oriental estaria envolvido na grande confusão ou armação.


Então o prefeito Sylvio Ramos reúne seus assessores, junto com Edney Santos,  chefe de Gabinete, para desvendar o mistério. Afinal, o chinês existe? Se sim, por qual motivo quer inaugurar a “Estação 35” e voltar a ativar a estrada de ferro que segue paradinha desde 1966?


O livro começa com esse suspense que aprisiona o leitor e só dá vontade de largar na última página.


O prefeito de Caravelas monta a equipe de investigação chamada Abrolhos – não pela homenagem ao arquipélago, mas pela referência a “ABRE os olhos”. Afinal, todos precisariam ficar de olhos abertos para achar o chinês que segue provocando tumulto por toda a região. 


Com equipe formada por Edney, além do motorista Jardim, que conduz o micro-ônibus, e mais um historiador, um jornalista blogueiro, um astrólogo, um intérprete de mandarim, um filho do ex-ferroviário, um guarda municipal... A saga pela busca começa partindo da cidade de Caravelas, em direção às demais cidades da região, tanto do lado baiano quanto do mineiro, percorrendo todas as estações.


“Tomou café na padaria, pagou com uma moeda de R$1 e tomou o trem” (p. 25)


Essa é a única informação que a equipe consegue. Ou seja, o misterioso passageiro esteve na padaria, na estação Ponta de Areia, tomou um café e, em seguida, pegou o trem em direção à estação Caravelas.


“Isso significa que teremos que retornar imediatamente ao ponto de onde viemos” 

(p. 25)



Eles estavam a uma distância pequena, em Ponta de Areia, mas que cronometrando o tempo limitado que tinham, ficaria difícil alcançar o estrangeiro. Todavia, o pessoal da Operação Abrolhos segue, ou melhor, retorna para Caravelas e recomeça a caçada.


Até o capítulo 10, com muitas histórias e referências a personalidades, a comitiva chega a Carlos Chagas. O leitor não só fica na torcida,  querendo desvendar o paradeiro do misterioso personagem, mas também passa a conhecer com detalhes a história, a cultura e a economia da região, como o político Teófilo Otoni, o cientista Carlos Chagas, os índios Aimorés, a Estrada do Boi é o Circuito das Pedras Preciosas. 


O site Brasil Gemas descreve bem a região que a equipe Abrolhos percorre à procura do personagem fujão:


A cidade de Teófilo Otoni, capital das pedras preciosas, está localizada no centro da “Província Gemológica Oriental Brasileira” no nordeste do Estado de Minas Gerais, sendo o principal centro comercial da região e destino obrigatório de todas as pedras preciosas produzidas nos garimpos. 


A cidade antes denominada Philadelphia, fundada por Teófilo Otoni, que após renunciar ao seu mandato de deputado, iniciou a colonização do Vale Mucuri com a fundação da chamada   “Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri”, em 1947.


Em meados de 1960 a cidade recebeu alguns alemães procedentes de Idar-Oberstein – tradicional centro de lapidação da Europa. Foram eles que trouxeram as primeiras técnicas de lapidação desenvolvidas nas minas de ágatas daquela região. 


A essa altura, o leitor atinge a metade da narrativa, a metade do trajeto, mas nada do chinês, mas é presenteado com mais histórias e boas referências no decorrer da viagem/leitura.


Narrada na terceira pessoa, a cada capítulo o leitor sente o narrador próximo ou no mínimo em uma delicatessen escutando uma boa história sobre os dois estados.


Nesse ritmo, retornando um pouco ao capítulo sete, o narrador deixa duas reflexões:

1. E se a estrada de ferro fosse realmente ativada, como seria nos dias de hoje? Economia local seria bem desenvolvida, como ficariam as BRs e a aquisição de veículos automotores?

2. E como a política se comportaria? O narrador inclusive faz questão de deixar seu olhar sobre a política atual, formulando uma crítica leve, mas convicto do atual quadro social e econômico no país. 


“ [...] existe um movimento cada vez mais forte no sentido de revitalizar a malha ferroviária da antiga estrada de ferro que, nos tempos áureos, ligou a estação de Ponta de Areia à Estação de Araçuaí, no médio Jequitinhonha. Durante 85 anos de atividade, a Maria Fumaça promoveu a geração de emprego e renda transportando pessoas e escoando toda sorte de objetos e matérias-primas, como madeira, café,  cereais, minérios... distribuídos pelas cidades extremo sul baiano e nordeste mineiro[...]” (p.62)


Outro trunfo da obra são os capítulos curtos e bem construídos, deixando  a leitura fluida, para os apreciadores que leem rápido conseguir finalizá-la em menos de 48 horas. Os personagens são bem divertidos, sem contexto social ou familiar, porém seguem interessantes e revelam por meios de ações seus caracteres pessoais e/ou profissionais.


Por falar na equipe Abrolhos, a corrida segue quente e o chinês fica cada vez mais distante. O jornalista/blogueiro até tenta pedir socorro na Internet, por um site que o próprio criou para narrar essas aventuras. Ainda assim, apesar da boa repercussão e bons comentários, simplesmente ninguém consegue identificar o tal chinês.


Enquanto isso, a cada estação percorrida, novas histórias e novos fatos são revelados. Entrando na reta final, a narrativa se torna ainda mais emocionante e contagiante,


“Parece que todo mundo era mais alegre, feliz. Apesar das dificuldades que os ferroviários e demais funcionários da EFBM tinham que enfrentar todo santo dia, a gente era mais feliz” (p.103)


No ritmo da tristeza,  outro trecho no mesmo capítulo emociona os leitores,


“Acabou também o sustento de muitas famílias,  de muita gente, que ficaram sem o que fazer, sem o sustento,  sem o pão de cada dia” (p.105)


São capítulos seguidos contando como era a vivência econômica com a rotina da malha ferroviária. Os cinco últimos capítulos começam a revelar o final da aventura e o mistério do chinês e da “Estação 35”. 


A magnitude da obra está em transformar um fato real em uma narrativa trabalhada, ora de modo ficcional, ora seguindo a linha jornalística. Deixando a leitura carregada de boas informações sobre uma região e uma época que continuam merecendo nossa atenção. Portanto, trata-se de um livro curto, cheio de referências históricas que precisa chegar às mãos de bons leitores, pois constitui uma forma saudável de passar conhecimentos adiante e preservar a memória dessa região em especial e do país em geral. Porque muito do que somos hoje, ou nos tornamos como pessoas, devemos ao passado que nossos antepassados vivenciaram e nos deixaram de legado. 


História é saúde mental. Ficção é mente saudável. 



Referências

  1. https://atlba.com.br/academicos/almir-zarfeg/ 

  2. https://novocruzeiro.mg.gov.br/a-estrada-de-ferro-bahia-minas/ 

  3. https://brasilgemas.com/teofilo-otoni-capital-mundial-das-pedras-preciosas/ 

  4. MELO, Jessika Nayara do Amaral A IMPORTÂNCIA DA LEITURA PRATICADA: UMA ATITUDE REFLEXIVA PARA FORMAÇÃO DO LEITOR.

  5. NASSER, José Monir. Lendo Mortimer Adler como Mortimer Adler nos ensina a ler. In: ADLER, Mortimer J.; DOREN, Charles Van. Como ler livros: o guia clássico para a leitura inteligente.




Patrícia Brito é biógrafa, escritora, ensaísta e titular da Cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras (ATL). 





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