Por Patrícia Brito
Ao iniciar a leitura da obra do escritor Marlon Moraes, Espaço Confinado, logo, surgem em minha memória alguns argumentos e uma obra do filósofo Platão.
Argumentos, como o debate dos dois mundos, o mundo da ideia e o mundo dos fenômenos.
Em “Espaço Confinado”, podemos ter esses dois mundos sendo trabalhado em conjunto, com união, o que é interessante para a filosofia, já que o conceito determina que ambos são mundos separados e às vezes bem desunidos.
Para entender melhor, irei pincelar estes dois conceitos que merecem um conhecimento além de duas linhas, com profundidade e dedicação.
O mundo das ideias é pensado e não sentido e, portanto, não está inserido no mundo da sensibilidade. Já o mundo da razão e da ciência – desprovido de ilusão – pertence à racionalidade.
Assim, logo nas primeiras páginas de Espaço Confinado, vem em minha mente um questionamento: Trabalhar em um espaço fechado e isolado, o que conta mais, a experiência – o mundo sensível? Ou a técnica – o mundo da razão, da ciência?
Logo no início do livro, o autor deixa claro:
"Qualquer área ou ambiente não projetado para ocupação humana contínua, que disponha de meios limitados ou restritos de entrada e saída, cuja ventilação existente é insuficiente para remover contaminantes ou onde deficiência ou enriquecimento de oxigênio possam existir ou se desenvolver, é denominado Espaço Confinado."
O meu mundo sensível imagina a intensidade de se trabalhar em um lugar assim. Já o meu mundo racional passa a valorizar mais ainda profissionais que exercem trabalhos arriscados, não somente para suprir a necessidade financeira da vida pessoal e sim por serem missionários na profissão.
Logo no início, nas primeiras 30 páginas, o autor explica por tópicos.
● Exemplos de espaços confinados
● Regulamentação
● Identificação de perigo como:
1. Agentes químicos.
2. Agentes físicos,
3. Agentes biológicos,
4. Agentes ergonômicos,
5. Agentes atmosféricos mecânicos ou de acidente,
Depois o autor dá continuidade abordando assuntos como:
1. Avaliação dos riscos,
2. Monitoramento do ambiente,
3. Área classificada.
Em Autorização de entrada, aborda assuntos como: 1. Inspeção de Prévia, 2. Análise preliminar de Risco, 3. Permissão de Entrada e Trabalho.
Com isso, até a metade do livro, Moraes explica de forma didática cada tema, aprofundando com informações bem detalhadas, conceitual a cada item e, assim, continua nesse ritmo até o final da obra.
A obra é uma pesquisa com narrativa, na qual Marlon Moraes reúne informações técnicas unindo com sua própria experiência em trabalhar num espaço confinado.
A pesquisa narrativa mais comum pode ser descrita como uma metodologia que consiste na coleta de histórias sobre determinado tema, onde o investigador encontrará informações para entender determinado fenômeno, usando as narrativas tanto como método quanto como fenômeno do estudo.
Entrando na reta final da obra, um outro livro platônico me vem à memória: Mito da caverna, com o qual Espaço Confinado mantém alguma semelhança. Não em estilo de narrativa ou conteúdo, mas na transcrição da temática.
Em Mito da Caverna, Platão aborda metaforicamente pessoas que vivem na caverna e pessoas que vivem fora da caverna. Em forma de diálogo, Platão explica a diferença e insere questões psicológicas da vivência destes dois mundos.
Depois de tantos séculos de existência, a ideia platônica ajuda-nos a compreender uma realidade que o próprio ser humano criou e que agora encontra-se aprisionado na mesma, a tecnologia. Numa profunda análise entre o mito da caverna e o período contemporâneo, percebemos que a tecnologia está cada vez mais presente na vida de cada pessoa atraindo-as pela rápida mudança e aperfeiçoamento. Numa esfera praticamente sem retorno, as tecnologias estão dominando o ser humano deixando-o dependente e alienado, é uma situação em que ele criou mas que não consegue sair facilmente, por isso, a filosofia de Platão busca analisar e compreender toda essa situação para que se crie uma consciência de limitação e de uso correto de tudo aquilo que está disponível para ajudar o ser humano a viver melhor e resolver seus problemas, não fazendo dele próprio um refém, aprisionado e acorrentado na grande caverna virtual.( CHAUÍ)
Em Espaço Confinado, Marlon Moraes explana com detalhes como é trabalhar em isolamento, e os cuidados obrigatórios do contratante ao contratado, ambos devem ter desde o momento que entra até o momento que sai do confinamento.
Se o escritor abordasse o outro lado do confinamento, exemplo: a família que fica, ou os dias de folga, a semelhança, ou melhor, a lembrança seria ainda maior com Platão. Mas é uma obra técnica, não caberia essa narrativa sensível de Platão. Espaço Confinado é um livro para os leitores curiosos, muito mais ainda, para profissionais de inúmeras áreas afins que têm esse estilo de vida profissional, como:
Agricultura e agroindústria Indústria química e petroquímica Indústria naval ou marítima Indústria Alimentícia
Indústria têxtil
Indústria de Borracha
Indústria de concreto
Indústria eletrônica
Indústria de transportes
Serviço de Água, esgoto e saneamento
“Todos os trabalhadores devem zelar pela própria segurança e saúde e de terceiros, que possam ser afetados por ações ou omissões no trabalho, e colaborar no cumprimento das disposições e normas regulamentares"
O penúltimo capítulo demonstra como o corpo é frágil diante de tantos passos, exigências que são necessárias para se trabalhar com mínimo de segurança.
Ordem de serviço
Instrução de segurança
Exame médico
Treinamento
Ventilação, insuflado ou exaustão - Iluminação
Sinalização e isolamento
Máquinas e ferramentas
Detector Multigás
Equipamentos de operação e comunicação
Cada tema bem explicado e informado.
Responsável técnico, supervisor de entrada e Vigia
Bloqueio e travamento de fontes de energia
Equipamento elétrico para área classificada
Equipamento de proteção individual - Programa de proteção respi - Prevenção e combate à incêndio e explosão
Resgate e primeiros socorros
O legado que o autor deixa com esta obra é de como a vida é sensível e fica mais frágil ao optar (ou não) em trabalhar em um lugar confinado.
Bem escrito, organizado e rico em referência bibliográfica, é uma leitura instrutiva, de bom conhecimento.
Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Editora Moderna Ltda., 1986, 443 p.
BORNHEIM, Gerd A. Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais. 3ª ed. São Paulo: Globo, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2013.
Patrícia Brito é biógrafa, escritora, ensaísta e titular da Cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras (ATL).
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