Por Patrícia Brito
Ao receber o livro “Abraço Partido”, de Marlon Moraes, lançamento de 2023, logo fico empolgada para ler, pois esta obra marca sua estreia no gênero conto.
Segundo site português, o conto é um gênero literário marcada pela narrativa curta e tem sua origem na necessidade humana de contar e ouvir histórias. A estrutura do conto é formada por situação inicial, desenvolvimento e situação final. Essa divisão é parte importante para composição do enredo. Dessa forma, na construção do conto, ocorrem os elementos da narrativa: foco narrativo, espaço, tempo e verossimilhança.
Já Marcia Fernandes – no site Toda Matéria – ressalta que conto é um texto curto em que um narrador conta uma história desenvolvida em torno de um enredo – uma situação que dá origem aos acontecimentos de uma narrativa. Há poucos personagens e poucos locais, pois, como a história é breve, não é possível incluir vários lugares e personagens diferentes.
Um outro artigo, do Brasil Escola, afirma que a estrutura do conto é curta e envolve apenas um conflito. Nessa perspectiva, o momento de maior tensão é chamado de clímax. Além disso, embora não seja uma regra, é comum que o conto apresente poucos personagens; espaço ou cenário limitado e recorte temporal reduzido.
Quando escrevo conto para a antologia da Academia Teixeirense de Letras (ATL) ou para participações, sempre tenho em mente o último artigo mencionado. Um conflito, um espaço, um tempo reduzido. Um ou dois personagens no máximo. Assim, consigo desenvolver sem prolongar e transformar o que é “o conto” em uma “novela”.
Novela é um texto narrativo de tamanho intermediário entre o conto e o romance. Como qualquer narrativa, apresenta espaço, tempo, enredo, narrador e personagens. É um texto escrito em forma de prosa e, assim como o romance, pode ser monofônica, polifônica, aberta, fechada, linear, vertical e/ou psicológica. Contudo, devido à sua extensão, não apresenta o mesmo detalhamento do romance.
Mas concentremo-nos no conto “Abraço Partido” e deixemos o gênero novela para outro momento.
Abraço Partido é um livro inédito e bem especial, pois, além de ter versos poéticos, característica forte e que acompanha a carreira autoral do escritor desde o início, agora podemos conhecê-lo por meio de ficção, através dos contos. Como alguém que ama estudar e escrever sobre este gênero, apreciei esta obra com euforia, aprazimento e cautela.
Abraço Partido
Em uma edição caprichada, o livro é dividido em duas partes. Na primeira parte, o leitor aprecia os 13 contos. Na segunda parte apreciamos os versos do poeta.
Marlon Moraes nasceu em 16 de outubro de 1976, em Bom Jesus da Lapa, porém foi criado em Serra do Ramalho, hoje um município limítrofe, também no Oeste da Bahia.
Ao longo dos anos, o escritor tornou-se membro da Academia de Letras da Manchester Mineira, da Associação de Cultura Luso-Brasileira e, finalmente, da Academia Juiz-forana de Letras. Publicou os livros: Eclipse Oculto, Dois Dias na Eternidade, Vento Norte, Carnaval (In versus), Via Láctea, Sonetos, Latitudes, Mar de Sophia, A segunda voz, Estrada Real (o caminho do ouro) e os infantis O circo da alegria, A tartaruga Carla e o pescador, A casa falante, Versos de Ontem, Relicário, Espaço Confinado (resenha no site), e Labirinto.
Abraço Partido é sua vigésima obra. Os treze contos permitem ao leitor se divertir e refletir, começando com “A prova dos nove”, que narra a solidão do personagem que não seguiu os conselhos dos pais em não estudar e passou a viver de trabalhos pingados. Até que, em uma noite comum ao receber a visita de uma mulher misteriosa, em pouco diálogo e poucas horas, ele aprende sobre a vida, sobre a consequência das escolhas.
"Aprendi que o mundo é grande demais para viver preso num canto só. E que é preciso conhecer de tudo um pouco" (p.17)
O leitor passa para o conto “Aniversário” com pegada erótica, a sede sexual de um jovem carregado de desejos que pretende ficar aliviado a qualquer custo. E consegue, mas de uma maneira não muito esperada por ele. Seguindo para o conto “Sophia”: um sonho, um encontro especial e os questionamentos sobre a vida, sofrimento. Para aqueles que acompanham ou conhecem um pouco do autor, sentem algo autobiográfico nessa narrativa. É um conto carregado de muita emoção, perda e dor.
O conto “Delta de Vênus” narra a relação de pai e filho, um pai garanhão que não aceita a idade e é fissurado por sexo, um filho sem muita referência para suas escolhas.
“A vida é uma doença fatal, sexualmente transmissível” (p. 34)
Lembrando que "Delta Vênus" foi um livro publicado em 1978 e adaptado aos cinemas. A obra lida com diversos temas sexuais. Já o conto tem uma linha mais leve, porém expressa a consequência do desejos sexuais sem freio.
O conto “Pescador” é tocante e de imediato me lembrou a música “Filho Adotivo”, interpretada por Sérgio Reis. No conto, após a morte da mãe, cada filho fica com uma tarefa ajudando o pai nas despesas da casa e à única mulher cabe a organização do lar.
Mas o inesperado acontece e, quando o pai dá conta, percebe que os filhos seguiram seu rumo, suas escolhas, sem a sua presença. Narrativa em terceira pessoa, com espaço e tempo bem trabalhados, talvez o conto que mais me tocou.
A natureza para mim muito se assemelhava ao nosso estado, aos pensamentos e sentimentos que cultivamos diariamente.
A margem de uma lagoa, nossos sonhos amanhecia.
☆☆☆
Seja humilde, que as portas lhe estarão sempre abertas
(p. 37)
Passamos pelo conto “O bar oriente”, que deixa três lições:
1. A rotina pode ser perigosa;
2. Não demore para tomar uma decisão;
3. Não temer o julgamento alheio.
Mas o destaque dessa primeira parte fica para o conto “Cidade Nova”: um encontro especial com tempo diferente para o senhor que conhece Tiradentes e o adolescente que está prestando seu primeiro vestibular nos tempos atuais. Com final surpreendente.
Aqui, a razão e o acaso, o sonho e a vida, o tempo e o amor, o destino e a verdade, e a idade do homem e o curso de um rio talvez simbolizam a própria existência, a nossa natureza como ser humano (p.49)
Passamos por “Violetas”; “Bacia de campos”; “Fado tropical”; “O poeta que não sabia do amor”; e, chegando ao final, dois contos com temática histórica e política como “Acre” e outro com temática religiosa mais puxada para as lendas do Rio São Francisco, Bom Jesus da Lapa com o conto “Milagre”.
Na segunda parte o leitor lê os poemas com versos tocantes como: “A página vazia”, “Um sonho morfado”, “Amo-vos”, “Nada”, “Maria”, “Apenas uma vez”, “As três horas da madrugada”
Abraço Partido é uma leitura com histórias que inspiram, nos deixam transpirar e nos tocam com sua poeticidade em forma de desabafo.
Erotizar sem banalizar
Mario Vargas Llosa em seu livro A civilização do espetáculo: Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura em um determinado ensaio fala da narrativa erótica de bons autores clássicos ou de séculos anteriores e de como essa narrativa foi sofrendo mutações e se transformando em uma narrativa vulgar, suja, pornográfica, chegando a ser desagradável em alguns casos, nos autores mais contemporâneos.
A surpresa gratificante ao ler os contos do escritor Marlon Moraes é saber que ele não faz parte deste grupo de autores contemporâneos “pornográficos”. Em seus contos ao narrar desejos, intimidade, existe uma narrativa erótica bem cuidada, que deixa o leitor transpirando, excitado, mas sem ser chulo, chato. O autor até constrói cenas bem pontuadas, com sequência provocante, mas tem a gentileza de deixar, também, a imaginação do leitor fluir. E o mais intrigante, deixa sua mensagem por meio dos personagens. Por fim, erotiza sem banalizar.
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Referência:
Llosa, Mario Vargas. A civilização do espetáculo: Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Objetiva. 2013
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Novela" em:
Toda matéria: https://www.todamateria.com.br/conto/
Biógrafa, ensaísta, escritora da cadeira 22 da Academia Teixeirense de Letras – ATL.
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